É fato que a Covid19 nos empurrou, a contragosto, para dentro de nossas casas. Mas pode ser a salvação de um hábito que há tempos tenta um espaço relevante na rotina do brasileiro. O hábito de ler.
Nos tempos de colégio, mais ou menos da 5ª a 8ª série (atual ensino fundamental), eu era visto como um esquisito pelos meus colegas por gostar de ler no recreio. Pois é. Ainda não existia a figura imagética do Bulling e do Hater, eram os tempos. Não tinha muito sossego, especialmente se estivesse lendo em pé. Uma brincadeira idiota de vir por trás e puxar as calças do abrigo até os pés, deixando a vítima de cuecas, me perseguia. Então, para fugir daquele nudes diário, claro, fiz a coisa que parecia ser a mais óbvia. Comecei a me alojar na biblioteca, trocando a liberdade do recreio pela dos livros. Não que não tivesse gente que não curtisse ler, alguns amigos até liam, porém o livro sempre foi considerado uma obrigação, um dever sem qualquer encanto. Estímulo à leitura, “zero”. Nada mais do que preencher fichas de leitura e provas de literatura. A maioria dos colegas não gostava e custei um pouco a entender que esse desencanto não era uma questão de gosto pessoal.
Ler é sim um hábito a ser desenvolvido, primeiro por influência do meio. Quando os pais gostam de ler e estimulam esse hábito, ler é um esforço mais natural. Lembro de observar, desde pequeno, o fascínio do meu pai pelos romances de Agatha Christie, Herald Robbins e Arthur Hailey. Ele fazia parte de um “Clube do Livro”, uma assinatura mensal que dava direito ao recebimento de uns títulos. Todo o mês, o correio deixava em nossa casa três livros de capa dura, uma capa mais linda e cheirosa que a outra. Em algum momento, a curiosidade me levou a folhear estes livros. Não gostei das histórias do detetive Hercule Poirot, mas depois de ler “Aeroporto” (cujo filme me fez querer conhecer o livro) e folhear Tubarão (Peter Benchley), sabia para onde ir. Mais para frente, já com “Os sobreviventes: a tragédia dos Andes” (Piers Paul Read) e “Papillon” (Henri Chariere) no currículo, não tinha Cristo que me convencesse a ler Sete Noites de Joãozinho e Histórias de um Fusca, por mais que a professora argumentasse que eu perderia nota se não lesse.
Se ler não é sua praia, saiba que você não está sozinho.
Além do habito em casa ser uma vantagem (ou um obstáculo, na falta dele), o problema da não leitura é brasileiro. Não é novidade que não somos uma população muito “leitora”. Só pra pensarmos, com alguma frequência, o Instituto Pró-Livro edita a pesquisa Retratos da Leitura. A edição de 2016 aponta que 44% da população brasileira simplesmente não lê, sendo que 30% nunca comprou um livro. Dentre as atividades de lazer, o livro é a décima prioridade. Os motivos do porquê lemos tão pouco são vários, dentre eles, vejamos:
- Interpretar textos é um sofrimento – Segundo o INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), temos 27% dos brasileiros entre 15 e 64 anos classificados como analfabetos funcionais.
- Falávamos que o hábito de ler se faz na família – No país, familiares e professores (isso mesmo) leem pouco. Por aqui, são 2,4 livros/ano contra a média de 7 livros na França, 5,1 nos EUA e 4,9 na Inglaterra.
- As bibliotecas escolares desapareceram – Apesar da Lei 12.244 exigir que as escolas públicas e particulares tenha uma biblioteca até 2020, a grande maioria não tem.
- Existem barreiras cognitivas também – 42% dos brasileiros, com mais de 5 anos, alegam que não leem porque não compreendem ou têm dificuldades para ler.
Afora os desafios nos campos social, ambiental e cognitivo, não dá para deixar de fora a questão da própria motivação para o habito de ler. Ainda segundo a Pesquisa do Pró-Livro, A primeira razão apontada como obstáculo para criar o hábito da leitura é a falta de tempo (43%!).
Com todo esse dilema, como fazer para criar o hábito da leitura em casa ou estimular outras pessoas? Por tudo que foi citado acima, não tem fórmula mágica. Mas, considerando que todo habito saudável pode ser aprendido, aí vão algumas dicas:
1. É preciso tempo – como ir à academia, à igreja ou fazer um curso, ler precisa de um tempo e de um espaço. 30 minutos por dia, que seja, em um ambiente agradável, boa iluminação e até uma música de fundo. Ajuda e muito.
2. Tem que achar o que agrada – não é incomum conversar com pessoas que desenvolveram uma certa aversão à leitura por serem obrigadas a ler livros que detestaram. Já falamos aqui da falta de cuidado pedagógico, o que deu ao livro a má fama de “patinho feio” nas escolas. Escolha temas que te fascinam. Seja futebol, biografias, carros, culinária, piadas, não importa. Se dê o direito de somente experimentar temas que realmente te interessam. O olho tem que brilhar, do contrário, não tem acordo. O livro mais lido nos dias de hoje é a Bíblia. E olha que de fácil a Bíblia não tem nada…
3. Capas e imagens são fascinantes – uma vez escolhido o tema, não tem problema escolher o livro pela capa. E existem capas ótimas. Folheie e, se tiver ótimas fotos, tanto melhor. Tem gente que é mais visual e a mistura de texto e fotografia pode dar um bom casamento para quem está começando no hábito.
4. Se não gostar do livro, pare – Ok, foi uma furada. Abandone imediatamente. Ler um livro ruim só reforça o trauma. Não tem essa de “ler até o final para poder criticar”. Se você não vai ser crítico literário, não tem essa. Parte para outra.
5. Escolha o formato que te agrada – o mercado livreiro encolheu 20% nos últimos 10 anos e sabe porquê? Um dos principais motivos é o lançamento de obras em formato digital. Se, por um lado, grandes livrarias estão fechando, a oferta de e-books explodiu na web. Porque não? Quem sabe a facilidade de ler seu livro em celulares e ipads não ajuda na motivação. Há quem prefira o cheiro das páginas, mas isso não é unanimidade.
Qual a moral da história?
Mergulhar em boas histórias é, em si, uma experiência imersiva de enorme estímulo para a concentração, o foco, a memória, a criatividade e o anti-stress. E, de quebra, melhora muito a escrita e o poder de síntese. É gritante a diferença quando comparamos um texto de quem ainda briga com o hábito de ler com o texto de outra pessoa que cresceu na companhia de alguns livros. Infelizmente, não tem como disfarçar.
Não é mais segredo que fomos empurrados para uma percepção de mundo completamente diferente de qualquer experiência que tenhamos vivenciado antes da Covid19. A disposição para aprender é a chave para transformar angústias em perspectivas. E essa chave pode estar também contida nos livros. Então, tá estressado? Vá, leia e depois me conta.
E você pode se perguntar: “Daniel, mas do que você mais gosta? Não lê de tudo?” – Não. Não leio de tudo. ADORO biografias. Hoje em dia, raramente me pego lendo outra coisa que não seja bisbilhotar a vida e a obra dos outros. Um fofoqueiro com estilo. Por isso ler pode ser tão fascinante.