Analistas avaliam que a covid ainda gera incerteza para as aéreas
Isaac Oliveira (Estadão – matéria na íntegra – 20/07/2020)
O setor aéreo foi um dos mais afetados pela pandemia de covid-19 em 2020. Com a visível queda na demanda por voos, o aumento de dívidas e a redução de caixa fez as companhias buscarem soluções para se manterem em operação. No domingo (19), o Estadão/Broadcast informou uma novidade que embasa este cenário: Azul e Latam estariam cogitando a possibilidade de uma fusão. O movimento é visto pelo mercado como uma evolução do codeshare iniciado entre as duas companhias no mês passado, que consiste em um compartilhamento de rotas domésticas.
Até o momento, não há uma confirmação oficial. Mas, quando a notícia foi divulgada, as empresas deram declarações diferentes. Em uma teleconferência com jornalistas, o presidente da Azul negou a possibilidade de uma futura fusão com a Latam. “Nosso prato está bem cheio agora com tudo o que temos para fazer durante a pandemia. Não temos plano de fusão.”
Já o presidente da Latam Brasil, Jerome Cadier, afirmou em uma entrevista à CNN Brasil que a fusão poderia se concretizar em um futuro não especificado, mas que isso depende de negociações complexas, que são inviáveis na atual conjuntura de crise provocada pelo novo coronavírus.
O codeshare é visto por analistas como uma alternativa mais viável no atual momento delicado para as empresas, mas que pode sinalizar uma futura fusão, já que a parceria permite que as empresas se conheçam mais de perto enquanto trabalham juntas.
Na avaliação de João Beck, especialista em investimentos e sócio da BRA, a fusão permitiria a união da grande malha aérea da Latam com a gestão positiva da Azul. “Apesar do pedido de recuperação judicial da Latam nos Estados Unidos, a fusão pode trazer fôlego para o mercado doméstico e a ação pode se valorizar bastante”.
Como tudo ainda está no campo especulativo, seria necessário conhecer os termos do possível acordo, principalmente porque, diferentemente da Azul, a Latam não tem seus papéis negociados no Brasil.
“Poderia ser feito um programa de recompra das ações da Azul ou ser mantida a companhia no Brasil. Isso vai de cada fusão”, explica Gustavo Bertotti, economista da Messem Investimentos.
Para ele, a fusão das empresas pode ser ruim para o mercado e para o consumidor brasileiro, que passariam a dispor de apenas duas empresas, contando com a Gol (GOLL4). Além disso, o economista lembra que a atual situação financeira das empresas gera muita incerteza para os investidores.
“As empresas estão desvalorizadas na bolsa. A Azul está com praticamente 62% de queda no ano. Essas empresas não estão gerando receita. A incerteza é muito grande e elas precisam de socorro urgentemente para quitar as dívidas”, diz Bertotti.
Quais serão os ganhos para a Azul?
Daniel Herrera, analista da Toro investimentos, concorda que a fusão poderia diminuir a concorrência no País, mas pode gerar valor nas companhias com ganho de eficiência no processo. “Com a fusão é possível enxugar parte dos custos e ter acesso a mais rotas, que é um pouco do que eles fizeram agora neste compartilhamento”, diz Herrera.
Ainda que a situação da Azul seja delicada, o analista avalia que a fusão poderia beneficiar a companhia aérea, inclusive para a recuperação do papel na bolsa. “Qualquer mudança de cenário tem impacto forte nos preços. Se sair a fusão, é uma ótima notícia para o investidor que já está posicionado em Azul.”
Como fica a concorrência para a Gol?
A junção de duas das três empresas que operam no Brasil poderia se tornar um calo para a Gol, já que a fusão conseguiria unir, em uma só companhia, a atuação regional da Azul, que opera em trechos de menor demanda no Brasil, com a malha da Latam dentro e fora do País.
O analista da Ativa Investimentos, Márcio Loréga, reforça que o cenário não é nada positivo para a Gol. “Ela vai precisar se mexer seriamente porque já perdeu o investimento da Delta para a Latam. Se esse cenário se concretizar, a empresa vai precisar estreitar mais os laços com a American Airlines”, destaca.
Os analistas lembram que todas as movimentações dependem do tão aguardado desfecho da pandemia, à espera de uma vacina, e reforçam que investir nesses ativos requer atenção, dado o elevado risco das operações. O alerta é claro: esse é um tipo de posição para investidores “mais do que arrojados”.
“O mercado quer ver mais para crer no que tem por trás de uma simples parceria no momento. Se o investidor tem um perfil de risco mais do que arrojado para aceitar as volatilidades que esses papéis deverão ter nos próximos períodos, então tem que ficar bem atento. O risco não é pequeno”, diz Lórega.